Poder de consumo dos divorciados muda perfil de empresas e movimenta a economia das grandes cidades.
Por Alexandre Teixeira
Ediana Balleroni, diretora da empresa de relações públicas The Jeffrey Group, casou muito cedo, aos 22 anos, e se divorciou igualmente cedo, aos 27. Desde então, já se passaram 10 anos, e a menina simples dos tempos de solteira virou uma mulher sofisticada em sua fase descasada. Tirando o cabelo loiro e os olhos azuis, quase tudo mudou. Ela era advogada. Hoje, trabalha com marketing. Seus hábitos de consumo se sofisticaram. Só na categoria esportes radicais, os hobies da moça incluem saltos de pára-quedas, rapel, rafting, esqui e equitação – duas vezes por semana, alternando com a malhação na academia. Ediana gosta de carros, principalmente dos fora-de-estrada e tem um Suzuki Gran Vitara na garagem. É compradora voraz de CDs de jazz e DVDs. “Eu não sou uma mulher CCC”, resume esta fã do seriado Sex and the City, referindo-se às donas de casa cuja vida gira em torno do triângulo nada amoroso casa, criada e criança. Solidão? Que nada. Ediana namora, sai muito à noite, viaja com freqüência – e, o que interessa no mundo dos negócios, gasta muito dinheiro. Ela é uma típica representante de uma classe de consumidores em ascensão, que movimenta a economia das grandes cidades e cada vez mais atrai a atenção de diversos setores da indústria e dos serviços: os descasados.
Não há estatísticas no Brasil capazes de precisar quanto dinheiro este público movimenta. Mas já é possível ter uma boa idéia de quem são e o que compram essas pessoas. O último censo demográfico do IBGE identifica 4.981.316 brasileiros desquitados, separados ou divorciados. A maior parte deles vive no que o instituto de pesquisas LatinPanel chama de domicílios independentes, onde não há crianças. São, de acordo com o instituto, alvos preferenciais para produtos práticos de uso individual. E para os chamados supérfluos, já que 22% de todos domicílios das classes A e B estão nesta categoria. Eles consomem 27% do requeijão e dos sorvetes vendidos no Brasil, 38% do adoçante e 24% do café solúvel. O segmento do mercado que trabalha com sachês e porções para uma ou duas pessoas responde por alguma coisa entre 5% e 10% do faturamento total do setor de alimentos e bebidas, que deve chegar a R$ 150 bilhões neste ano.
Uma olhadela no registro civil revela que quase 220 mil pessoas se divorciam ou separam judicialmente no Brasil a cada ano. Um exército de prestadores de serviços espera esses descasados de braços abertos. “A pessoa quando se separa vai para um apartamento e diz: e agora?”, nota Miriam Freire, dona da Host Services, uma curiosa empresa que se especializou em arrumar casas para descasados. Nos dois sentidos: encontrar bons imóveis para seus desamparados clientes e tomar as providências para manter apartamentos e casas limpos e organizados. De olho na mesma freguesia, a chef de cozinha Mônica Sky, dona da escola Studio do Sabor, criou uma aula mensal de culinária para solteiros e descasados interessados em aprender receitas rápidas, fáceis e de efeito – boas para impressionar uma visitinha especial. A novidade atraiu uma clientela jovem, com idade entre 28 e 35 anos, com boa presença masculina.
É o tipo de público que, antes mesmo do início das obras, já comprou 85% das 338 unidades do edifício Mandarin, que a construtora Cyrela lançou na Zona Sul de São Paulo. São apartamentos de alto padrão, feitos sob medida para quem mora sozinho. Não muito grandes, mas recheados de serviços e de belas áreas comuns. Como o Espaço Gourmet, que serve para cozinhar e para receber convidados fora do apartamento. “O consumidor ‘single’ é exigente, mas é também mão aberta”, define Mitiko Okuma, dona da Art Turismo, uma das primeiras agências de viagem para descasados no Brasil. Uma combinação atraente que estimulou a Sun & Sea a trazer para o Brasil o con-
ceito de cruzeiro marítimo para “singles”. No dia 8 de março, o na-
vio Island Escape zarpa do Porto de Santos com destino a Florianópolis, na primeira viagem do gênero planejada para desca-
sados e solteiros brasileiros.
Eremitas convictos à parte, quem mora sozinho não gosta de ficar sozinho em casa. Na maioria dos casos, o recém-descasado procura se reintegrar ao mundo dos solteiros. Os bares de paquera estão cheios deles. “No meu pub, as moças sabem que não vão ser abordadas de maneira agressiva”, garante Agenor Dias, o Kiko, dono do Charles Edward, decano da cena “single” de São Paulo. A economista paulista Ana Lúcia Manfredini faz parte da turma de freqüentadores assíduos do lugar. Ela se casou aos 17 anos e logo depois teve um filho. O garoto está com 13 anos. Ela tem 31, está separada há 9 e freqüenta o Charles Edward faz mais de 2 anos. “Nunca fui de sair, mas depois que uma amiga me trouxe uma vez, passei a vir toda semana.”
Nenhum canal do varejo tem sua imagem tão associada ao mercado “single” como as lojas de conveniência. Lojas desse tipo atraem gente jovem e bonita e estimulam compras rápidas e por impulso. “Não é aquela coisa chata de passar duas horas no supermercado”, diz Marcelo Manna, gerente do Mercado de Conveniência da Shell. Nas lojas de bandeira Select, associadas aos postos Shell, solteiros e descasados de 28 a 41 anos são maioria. Supermercados, em oposição, ainda são um reduto da família. Mas pelo menos uma das grandes redes, o Pão de Açúcar, já colocou o público “single” no centro de sua estratégia. É para ele aquele bifão de picanha de 200 gramas da Wessel, em porção única, que o supermercado agora vende nas suas lojas.
Além de um arsenal de pratos prontos e semi-prontos para quem quer praticidade, há amenidades para os momentos de sofisticação. “Se um descasado vai preparar um jantar romântico a dois, eu quero que ele encontre tudo aqui”, afirma Paulo Lima, o executivo responsável pela ambientação dos supermercados da cadeia. O consumidor em questão pode comprar um salmão grelhado na rotisseria, apanhar uma torta Olivier Anquier e arrematar com um arranjo do florista Vic Meirelles. Tudo dentro de uma das 40 lojas “top” da rede preparadas para atender este público. Nelas, a oferta de vinhos em meia garrafa chega a 30 marcas. Ainda menor, a minigarrafa de Moet Chandon de 200 ml, ideal para quem quer tomar uma taça sozinho, já representa 15% das vendas da marca no Brasil.
Na área de alimentos industrializados, a produção de pratos prontos congelados aumentou 550% nos últimos seis anos e hoje chega a quase 20 mil toneladas por ano. Só a Sadia, nos últimos dois anos, mais do que dobrou sua oferta neste segmento e hoje oferece mais de 30 itens. “O varejo e a indústria viram que é possível aumentar as vendas e ter um ganho unitário maior com porções feitas sob medida para uma ou duas pessoas”, diz Claudio Felisoni de Angelo, coordenador do Programa Pró-Varejo da Universidade de São Paulo.
Nem só de novidades vive o recém-divorciado. Retomar velhos hábitos de solteiro é parte do processo, e o engenheiro Gilberto Kalil é uma prova viva. No início dos anos 80, ele era um orgulhoso proprietário de uma CB 450, sonho de consumo dos motoqueiros brasileiros dos anos de mercado fechado. A farra sobre duas rodas acabou em 1985, ano de seu casamento. “Minha esposa não podia nem ver a moto”, lembra. Kalil vendeu seu brinquedinho favorito e passou 15 anos casado. Separado, acaba de comprar uma nova motocicleta. A máquina agora é japonesa e tem o dobro de cilindradas da velha CB. Aos 45 anos, com os dois filhos criados e um restaurante para administrar, ele pode não ser mais o selvagem da motocicleta, mas volta a sentir o prazer do vento forte no rosto com entusiasmo de adolescente. Descasados convictos prezam tanto sua liberdade que nem cachorro aceitam em casa. Preferem gato. Ou gatas, como Ediana, que tem três. “Gato é um bicho muito companheiro, ao contrário do que diz a lenda, e tem a auto-suficiência que convém ao descasado”, ensina. Não é por acaso que, em domicílios como o dela, o consumo de rações para os bichanos supera em 45% a média nacional.
Fonte:Isto é dinheiro
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